TECOP
Textos e Contextos
do Orientalismo Português

O Camões dos Orientalistas K. David Jackson (University of Yale)

(Excertos selecionados pelo autor de uma palestra a propósito de dois ensaios
por dois orientalistas portugueses:

K. David Jackson

Passos dos Lusíadas Estudados à Luz da Mitolojía e do Orientalismo [1892],
de Guilherme de Vasconcelos Abreu, e Episodio do Gigante Adamastor.
Estudo critico [1898], de José Benoliel)

 

 

 

 

1. De modo geral, esses orientalistas são viajantes, têm formação em filologia e linguística, a maioria arabistas e linguistas. 

2. As listas dos Orientalistas [por exemplo, tanto deste projeto TECOP como a do Dicionário de Orientalistas de Língua Portuguesa] tornam viável uma visão panorâmica do conjunto de orientalistas portugueses, na verdade não muito numeroso, na qual a identificação das principais figuras nos permite observar como a formação do orientalismo, com raízes imperiais e científicas nos séculos XVIII e XIX, é tão distinta e distante dos estudos de hoje e das questões do nosso tempo.

3. A tese [do ensaio de Guilherme de Vasconcelos Abreu] é que há na obra de Camões “uma enciclopédia [...] de todo o saber de então, e das tradições próprias do século XVI na Europa, e nas que daquele tempo nos tinham vindo do Oriente”. A implicação do autor é que Camões teria recebido essas informações lendárias de contos játaca, ou de informações colhidas de fontes orais de caráter mítico, repetidos em textos portugueses da época, como O Livro de Duarte Barbosa ou as Lendas da Índia, de Gaspar Correia, obra republicada pela Academia Real das Ciências de Lisboa de 1858-1866, em 8 volumes.

4. O que acho mais interessante neste breve estudo de 10 páginas de Vasconcelos Abreu não é o texto de início sobre Camões, mas a teorização sobre totemismo, antecipando o Freud de Totem e Tabu e avançando uma explicação antropológica para essas crenças que contam relações entre animais e mulheres. 

5. José Benoliel alega ser três as fontes do episódio de Adamastor: a Bíblia, a mitologia grega e um conto da coleção das Mil e uma Noites, o “Conto do pescador”. 

6. O conceito comparativo de Benoliel tem duas vertentes. Adamastor é, de um lado, gigante terrível, “imponente, majestoso, formidável, talvez mais do que o próprio Júpiter [...] razão principal do assombro, de espanto e horror tanto em Vasco da Gama e seus companheiros, como no leitor”, e do outro amante vulnerável e rejeitado, sujeito a todas as fragilidades humanas, como os “pobres Gigantes namorados, que nos pinta Ariosto”.

7. Para o leitor de hoje, o valor do ensaio de Benoliel resta na tentativa de incluir o Camões num texto de world literature, atestando a uma maior circulação de temas e motivos entre as literaturas. Mas a comparação, embora original, é fraca e sem fundamentos, longe do levantamento do renascentista David Quint, no estudo “Voices of Resistance: The Epic Curse and Camoes' Adamastor” (1989).

8. Tanto em Vasconcelos Abreu quanto em Benoliel, há tentativas de trazer Camões para dentro dos estudos e interesses particulares desses orientalistas. São sugestões de influências variadas, em que o saber do Oriente pesa sobre o Renascimento europeu, e de uma crítica de arquétipos, mas sem uma teorização adequada. São estudos talvez imaginosos e originais, de um comparatismo estabelecido dentro do orientalismo da época, com ideias insinuantes, mas sem nenhuma elaboração ou evidência fora o desejo de fazer do Camões, celebrado “porta-voz da civilização”, um veículo do saber do Oriente e, como eles, mais um viajante e investigador orientalista.

 

Lisboa, 21 novembro 2018