TECOP
Textos e Contextos
do Orientalismo Português

Associação Promotora dos Estudos Orientais e Glóticos em Portugal

António Augusto Teixeira de Vasconcelos Jaime Constantino de Freitas Moniz (conselheiro) Manuel Pinheiro Chagas
[nome acrescentado a lápis] 
António da Silva Túlio João José de Mendonça Cortez (conselheiro) Mariano António Pinto 
António José Viale (conselheiro) Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara (Goa) Marquês d’Ávila e Bolama
Augusto Soromenho Joaquim Possidónio Narciso da Silva Marquês de Valada
Bispo de Macau (D. Manuel Bernardo de Sousa Enes) Jorge César de Figanière (conselheiro)  Pedro Mariano Alonso (Torre do Tombo) 
Ernesto da Silva José da Silva Loureiro Salomão Saragga
Francisco José d’Almeida José Isidoro Viana  Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas (conselheiro)
Francisco Martins d’Andrade José Maria da Silva Leal Viriato Leão Cabreira
Francisco Maria Pereira (Liceu de Lisboa) José Paulo Dinis Visconde de Menezes
Gonçalo Jaime Aldim (conselheiro) José Silvestre Ribeiro (conselheiro) Visconde de Paiva Manso
Guilherme de Vasconcelos Abreu José Tavares de Macedo (conselheiro) Visconde de S. Januário
Inácio de Vilhena Barbosa    

Lista não-datada de sócios da Associação, em anexo ao pedido de aprovação régia dos seus estatutos,
feito a 28 de fevereiro de 1875

 

É do primeiro encontro do Congresso Internacional de Orientalistas em Paris, no ano de 1873, em que Portugal se fez representar por Joaquim Possidónio Narciso da Silva, que sai a ideia de fundar uma sociedade que promova os Estudos Orientais em território nacional. Pouco se sabe, no entanto, sobre a história da Associação Promotora dos Estudos Orientais e Glóticos em Portugal que, à semelhança de muitas outras instituições com existência bastante efémera na segunda metade do século XIX, teve um arranque entusiástico, entre fins de 1873 e primeira metade de 1874, mas um fim demasiado rápido para deixar memória, logo nos inícios de 1875.

Foi Léon de Rosny (1837-1914), professor de língua japonesa na École Spéciale des Langues Orientales Vivantes em Paris, patrono e fundador do Congresso dos Orientalistas, quem sugeriu ao arquiteto real Possidónio Narciso da Silva que avançasse com a criação de uma associação que funcionasse como o ramo português de apoio permanente às atividades do Congresso. Como, aliás, se esclarece numa carta de 28 de fevereiro de 1875, em que vários sócios da Associação Promotora dos Estudos Orientais e Glóticos subscrevem o pedido dirigido ao rei D. Luís I para aprovar os estatutos da sua Associação:

 

O Congresso Internacional dos Orientalistas, reunido em Paris em 1873, deliberou promover a formação de Commissões auxiliares permanentes que o secundassem no intuito de propagar em toda a Europa o gosto, e crear o interesse pelos estudos orientaes e glotticos.
D’esse pensamento nasceu a “Associação Promotora dos Estudos Orientaes e Glotticos” em Portugal. É uma sociedade de homens empenhados em fazer que a sua patria se eleve a par das demais nações no cultivo das linguas do antigo e novo Oriente, e no da sciencia da linguagem.
(ANTT. Correspondencia... com J. Possidonio da Silva. 1874-1880, tomo IV [4.º], 4.ª série, liv. 4, cx. 5, doc. 2645)

 

Também Julien Duchâteau, no seu relatório sobre o primeiro encontro do Congresso Internacional dos Orientalistas, em que elogia o trabalho então apresentado pelo arquiteto por relembrar o importante contributo português para o cultivo das línguas orientais, identifica a Associação como um resultado direto daquele encontro inaugural:

 

Un curieux travail de M. le chevalier Da Silva, architecte du roi, à Lisbonne, vint rappeler au Congrès la part que le Portugal avait prise, depuis plusieurs siècles, à la culture des langues orientales. L’Assemblée, à cette occasion, émit le vœu que le gouvernement portugais fit quelques sacrifices pour restaurer les études asiatiques dans ses états, et pour qu’une Société orientale fût constituée dans sa capitale. Nous apprenons que ce vœu n’a pas été stérile, qu’une Associação promotora dos Estudos Orientaes e Glotticos a été constituée à Lisbonne, et que, sous les auspices du duc de Coïmbre [Dom Augusto], frère du roi et lui-même orientaliste très-distingué, plusieurs jeunes gens vont être envoyés dans les principales villes de l’Europe, pour s’y livrer à l’étude des langues de l’Orient. (1875, 51-52)

 

Partindo embora o projeto da iniciativa de Possidónio Narciso da Silva, o delegado do congresso de Paris em Portugal convidou, por um lado, Guilherme de Vasconcelos Abreu a encabeçá-lo e, por outro, os membros da delegação portuguesa desse congresso, assim como outros com quem entretanto travou contacto, como Cândido de Figueiredo, para se associarem como sócios. Sabe-se, por exemplo, que o Visconde de Menezes (1820-1878) foi formalmente nomeado, a 31 de maio de 1874, como o representante da Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses junto da Associação Promotora dos Estudos Orientais, conforme publicitado no boletim de 1874 da Real Associação.

Foi esse grupo que Narciso da Silva reuniu para redação e aprovação dos estatutos da Associação. A 9 de janeiro de 1874, Rosny felicitava o arquiteto pela fundação, em Lisboa, desta sociedade científica, e a 12 de janeiro estavam já impressos os estatutos a serem ainda aprovados. Esse instrumento de trabalho foi então preparado por António Augusto Teixeira Vasconcelos (1816-1878), Augusto Soromenho e pelo próprio Vasconcelos Abreu. A fim de discutir e aprovar os estatutos, bem como de eleger a mesa da Associação – então denominada Associação Promotora do Desenvolvimento dos Estudos Orientais em Portugal –, os membros da comissão nacional portuguesa do Congresso de Paris foram convocados para uma reunião a 18 de janeiro (domingo) no palácio dos Duques de Cadaval na rua do Príncipe (que corresponde à atual rua 1.º de Dezembro, em Lisboa). Há registo de outras reuniões ao longo do mês de maio, que tiveram lugar ora no palácio do Marquês de Valada, ora no palácio dos Duques de Cadaval. Se uma convocatória para reunião a 3 de maio foi assinada pelo secretário César de Figanière, a de 31 foi convocada pelo secretário Augusto Soromenho.

Quando em fevereiro do ano seguinte (1875) os estatutos da Associação foram remetidos ao rei para sua autorização, não foram, porém, os estatutos impressos de 12 de janeiro que seguiram, mas antes uma versão manuscrita, com data posterior – 29 de maio de 1874 – e redigida pelo então secretário Soromenho. As diferenças que se detetam entre as duas versões passam sobretudo pela renomeação da sociedade como Associação Promotora dos Estudos Orientais e Glóticos, ora não estivessem as ciências da linguagem – da filologia à gramática comparada – tão em voga. Verifica-se também, no manuscrito, uma formulação mais rigorosa dos artigos (que passam de vinte a dezanove) e, por conseguinte, do próprio modo de funcionamento da Associação e das incumbências dos seus membros e da mesa diretiva. Constituída por membros residentes e correspondentes, estando os primeiros sujeitos ao pagamento de uma quota mensal de 500 réis, a Associação não discriminava o género, a classe profissional ou as habilitações literárias dos seus membros, admitindo, em situação de paridade, indivíduos de “qualquer sexo” (art.º 3), ainda que, da lista de membros, só figurassem nomes de homens. Esta estratégia de abertura seria prova da intencionalidade de congregar o maior número possível de nomes que dessem corpo e visibilidade a uma comunidade orientalista nacional.

Os estatutos revistos de 29 de maio foram remetidos para o rei juntamente com uma lista de sócios (ver tabela acima), que é coincidente, exceto em dois nomes, com uma lista manuscrita de 4 de abril de 1874, que identifica as pessoas convidadas pelo arquiteto para sócios da Associação. Dessa lista constavam os nomes de José Castelo Branco e do conselheiro Tomás Ribeiro (1831-1901), que não aparecem na lista confirmada de sócios em 1875. Não obstante, de acordo com os estatutos – tanto os de 12 de janeiro como os de 29 de maio de 1874 –, assumiam-se como naturais membros os que faziam já parte do Instituto Vasco da Gama, em Goa, e assim o desejassem. O Instituto é especificamente identificado como a “unica sociedade litteraria nos dominios portuguezes na Asia”, a qual, não por acaso, foi fundada por Tomás Ribeiro. Também o nome de Cândido de Figueiredo não surge em nenhuma das listas; todavia, a 16 de janeiro de 1874, Figueiredo confirmava aceitar integrar “a nova sociedade orientalista”, agradecendo ao arquiteto o “convite lisongeiro” e felicitando-o “pela sua sympathica iniciativa”.

Não se conhecem resultados ou iniciativas desta Associação, excetuando a Exposição Feita perante os Membros da Commissão Nacional Portugueza do Congresso Internacional dos Orientalistas Convocados para Constituirem uma Associação Promotora dos Estudos Orientaes e Glotticos em Portugal. Protagonizada por Vasconcelos Abreu, essa exortação ao desenvolvimento do orientalismo em Portugal teve lugar em 29 de dezembro de 1873, na sala das Ciências Médicas de um edifício que existia no lugar da atual Estação do Rossio. Nela está bem patente o entusiasmo do sanscritista, que está ciente de uma conjuntura propícia a este tipo de estudos e da necessidade de Portugal vincar uma posição neste panorama científico:

 

Fômos nós, senhores, os que subscrevemos, em Portugal, para o Congresso internacional que se realisou nos doze primeiros dias de setembro em Paris. É a nós que incumbe trabalhar para que em Portugal se organise uma associação com todos os elementos necessários para que os estudos relativos ao Oriente e á sciencia da linguagem, hoje uma esperança, ámanhan sejam um facto determinado na lei escrita e realisado na organização dos nossos estudos.
Muitas sociedades hoje prosperas têem começado menos auspiciosas do que nós. É digno de consideração e sincero reconhecimento o espontaneo e obsequioso offerecimento que o sr. Rivara, e o que o sr. Léon de Rosny, em cartas dirigidas ao Delegado do Congresso, em Portugal, o sr. Silva, fizeram, pondo ás nossas ordens todas as suas obras. E é sobremodo para incitar brios, criar enthusiasmo e dar animo a todos os que se ufanarem do nome portuguez, ter-se mais promptificado o sr. Léon de Rosny a vir aqui fazer algumas conferencias e a concorrer, para a constituição da Associação cujas bases devemos hoje lançar, com todos os sacrificios que ele e os seus amigos possam fazer, dando-se por contente com a realisação do nosso intento.
Quando um homem como o sr. Léon de Rosny faz d’estes offerecimentos a homens, que, como nós, formam a “Comissão nacional portugueza do Congresso internacional dos Orientalistas” é obrigação de taes homens, é nossa obrigação mostrarmo-nos dignos da offerta e de futuros obsequios.
É certo que teremos o apoio, não só do jovem e sabio japonista, mas de todas as “Commissões nacionaes” de todo o congresso emfim.
Não podem ser mais auspiciosos os começos. Dentro em pouco podemos ter uma bibliotheca, um archivo, um museu digno de uma sociedade de orientalistas, e dentro de alguns annos, se formos homens de energia, poderemos dizer que em Portugal existe essa sociedade, poderemos dizer que nos cabe a gloria de termos acordado o espirito d’este povo adormecido mas apto para os grandes emprehendimentos, poderemos dizer que fizemos a primeira das revoluções – a da instrucção, poderemos dizer que concorremos para o engrandecimento d’esta nação.
A Italia vae no bom caminho. A França tem já um passado brilhante e glorioso no que respeita a todos os ramos do ORIENTALISMO; é ella a grande propagadora, foi até em parte a grande mestra da Europa. A Alemanha é o grande foco d’esta luz immensa. A Inglaterra, a Russia trabalham activas. Preparemo-nos nós em Portugal, que estamos mais atrazados do que a França ha cincoenta annos no que respeita ao ORIENTALISMO; preparemo-nos, já que a indole socegada do nosso povo nos deixa gozar da paz que falta á Espanha.
Assim ella se levante nobre e digna d’este concerto dos povos da Europa, possa entrar nas lutas intellectuaes robusta e energica, e achar-nos a seu lado dignos do respeito d’ella e merecedores em tudo do grande nome de europeus. (Abreu 1874, 13-14)

 

O nome desta Associação surge no volume de atas da sessão inaugural do Congresso Provincial dos Orientalistas franceses, que decorreu de 26 a 28 de dezembro de 1874 em Paris (Levallois), sob a presidência de Rosny e a organização do Athénée Orientale. Nesse volume, publicam-se os estatutos e a lista de membros do Athénée, associação que existia, em França, desde 1865; entre os seus membros correspondentes, para além do nome de Joaquim Possidónio Narciso da Silva, consta o da Associação Promotora dos Estudos Orientais de Lisboa, cujo princípio orientador estava, aliás, muito próximo do do Athénée – o de estimular o gosto pelo(s) estudo(s) do Oriente. A 23 de abril de 1875, Léon de Rosny de novo congratulou o arquiteto pelos êxitos da sua “jovem sociedade oriental”.

No fundo, a Associação parece nunca ter saído desse estado de “jovem”, posto que esteve relativamente operacional até à primeira metade de 1875, altura em que desaparece, pouco antes de, em novembro desse ano, um grupo de intelectuais fundar a Sociedade de Geografia de Lisboa. Não se encontrou, no Diário do Governo, menção à aprovação régia dos seus estatutos; no Diário de Notícias de 2 de fevereiro de 1907, por ocasião da morte de Vasconcelos Abreu, esclarecia-se que “[a] Associação foi ephemera, porque Vasconcellos Abreu adoeceu e nada se fez durante meses”. Quando a 17 de maio de 1879 Narciso da Silva é contactado pela Société Académique Indo-Chinoise, que lhe manifesta o desejo de permutar livros com a Associação que conhecia apenas de nome, já não havia qualquer registo de atividade. Nem mesmo quando em março de 1892 a direção da Sociedade de Geografia aceitou acolher a décima sessão do Congresso Internacional de Orientalistas em Lisboa houve qualquer tentativa no sentido de reavivar a Associação Promotora dos Estudos Orientais e Glóticos em Portugal.

 

Referências

ABREU, Guilherme de Vasconcelos. 1874. Exposição Feita perante os Membros da Commissão Nacional Portugueza do Congresso Internacional dos Orientalistas Convocados para Constituirem uma Associação Promotora dos Estudos Orientaes e Glotticos em Portugal. Lisboa: Typographia Luso-Britannica de W. T. Wood.

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874-1880, tomo IV (4.º), 4.ª série, liv. 4, cx. 5, doc. 2614, carta de Narciso da Silva (Lisboa, 4 abril 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874-1880, tomo IV (4.º), 4.ª série, liv. 4, cx. 5, docs. 2645 e 2645-bis (Lisboa, 28 fevereiro 1875).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874-1880, tomo IV (4.º), 4.ª série, liv. 4, cx. 5, doc. 2651, carta de Léon de Rosny (Paris, 23 abril 1875).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874-1880, tomo IV (4.º), 4.ª série, liv. 4, cx. 5, doc. 2763, carta da Société Académique Indo-Chinoise (Paris, 17 maio 1879).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), doc. 983, carta de Léon de Rosny (Levallois – Paris, 9 janeiro 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), docs. 986 e 986-bis, carta e estatutos impressos (Lisboa, 12 janeiro 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), doc. 989, carta de Cândido de Figueiredo (Lisboa, 16 janeiro 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), doc. 1034, carta de Jorge César de Figanière (Lisboa, 2 maio 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), doc. 1045, carta de Augusto Soromenho (Lisboa, 30 maio 1874).
---. Correspondencia Artistica e Scientifica Nacional e Estrangeira com J. Possidonio da Silva. 1874, vol. 7 (tomo 7
em 8.º), doc. 1116-bis, carta de Possidónio Narciso da Silva (Lisboa, 12 janeiro 1874).

[CONGRESSO PROVINCIAL]. 1875. Congrès provincial des orientalistes français. Compte-rendu de la session inaugurale. Levallois-Paris – 1874. Paris: Maisonneuve et C.e, Libraires-Éditeurs, 28.

[DIÁRIO DE NOTÍCIAS]. 1907. Dr. Vasconcellos Abreu. Revista Lusitana 10 (1-2): 170-175.

DUCHÂTEAU, Julien. 1875. Une Création scientifique française, le premier Congrès international des orientalistes, Paris 1873. Paris: Maisonneuve. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5738609s.

REAL ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITETOS CIVIS E ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES. 1874. Boletim Architectonico e d’Archeologia 2 (2.ª série): 18. Disponível em https://archive.org/details/boletimdearchite01asso/page/18

 
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última atualização em maio de 2019