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Textos e Contextos
do Orientalismo Português

António Cândido de Figueiredo (Tondela, 1846 – Lisboa, 1925)

António Cândido de Figueiredo
© Cândido de Figueiredo. 1908. Peregrinações: 1868 a 1908. Versos escolhidos, corrigidos e annotados. Porto: Emp. Literária e Tipográfica.
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António Cândido de Figueiredo distinguiu-se como poeta, intelectual, lexicógrafo e interessado em sanscritologia.

Após cursar Teologia em 1863 no seminário de Viseu, matriculou-se em 1869 no curso de Direito na respetiva Faculdade da Universidade de Coimbra, formando-se a 8 de junho de 1874. Enquanto aluno de Direito, publica, em 1873, vários textos sobre a Índia antiga no jornal científico e literário do Instituto de Coimbra, de que era sócio efetivo desde 1871. Alguns desses textos foram em 1875 traduzidos para Francês e comentados pelo abade Th. Blanc na revista Annales de philosophie chrétienne. Desse conjunto de textos consta a tradução, em verso, de um episódio do épico Rāmāyana, que mereceu publicação em separata, ainda em 1873: Morte de Yaginadatta. Este folhetim inscreve-se na coleção “Litteratura da India”, de que, porém, só saiu este espécime, talvez pela receção controversa que teve junto de alguns orientalistas portugueses, nomeadamente de Vasconcelos Abreu. O Jornal do Commercio foi o palco selecionado para uma troca acesa de palavras entre Cândido de Figueiredo e o sanscritista durante o mês de dezembro de 1873.

Apesar da polémica em que se viu envolvido, é contactado e agraciado por Joaquim Possidónio Narciso da Silva, que, em Lisboa, toma conhecimento do seu trabalho por intermédio do fundador dos Congressos Internacionais de Orientalistas, o japonólogo Léon de Rosny (1837-1914). Convida-o a integrar a Associação Promotora do Desenvolvimento dos Estudos Orientais em Portugal, desafio que aceita prontamente, e a subscrever a segunda sessão do Congresso de Orientalistas, de 1874, em Londres, cuja lista de membros da delegação portuguesa entretanto se perdeu. A 3 de fevereiro desse ano, era então finalista de Direito, foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Passou a sócio efetivo, juntamente com David Lopes, a 3 de junho de 1915 e chegou a ser eleito presidente da Academia em 1921, cargo que ocupava à data da sua morte.

Em 1875, ajudou a fundar a Sociedade de Geografia de Lisboa, sendo seu sócio fundador com o número de registo 13. Entre, pelo menos, 1876 e 1880, integrou a secção de Ensino Geográfico da Sociedade, ao lado de outros vogais como António Pereira de Paiva e Pona, Adolfo Coelho ou Vasconcelos Abreu, com quem teria, entretanto, resolvido as contendas do passado. Ainda em, pelo menos, 1876 esteve associado a outras secções na companhia de Luciano Cordeiro, nomeadamente à secção de Geografia Política e Estatística, à de Geografia Histórica e Arqueologia, de que foi secretário mas também vice-presidente pelo menos para o ano de 1889, e à de Etnologia e Viagens, esta última secretariada por Cordeiro. A 13 de dezembro de 1878 torna-se membro da prestigiante Sociedade Asiática de Paris, para a qual entra por parecer positivo do assiriologista Jules Oppert (1825-1905) e do arabista Stanislas Guyard (1846-1884).

Em 1891, publica Lições Praticas de Linguagem Portugueza, que o envolveria em nova polémica, desta feita com José Leite de Vasconcelos. A divergência, que se prolongou durante pouco mais de um ano, veio opor “caturras”, de que Cândido de Figueiredo era representante e que Luís Prista (2001, 160) descreve como “vulgarizadores vernaculistas”, a “filólogos”, os que se dedicavam ao estudo científico-académico da língua. Esta oposição entre, no fundo, diletantes e académicos, que, de algum modo, perpetua a divergência que em 1873 opôs Cândido de Figueiredo a Vasconcelos Abreu, encontraria eco no cisma que, entre 1889 e 1892, dividiu os apoiantes dos Congressos dos Orientalistas. A partir de 1892, ganham maior protagonismo as vozes que, distanciando-se dos estatutos do congresso fundador (Paris, 1873), defendiam a exclusão de profissionais que não fossem encartados e sem percurso científico ou académico comprovado.

Nessa sequência, em 1892, organizaram-se duas sessões do Congresso em simultâneo, a de Londres, apologista de uma viragem mais elitista, e a de Lisboa, em conformidade com os estatutos. Membro da primeira, entretanto desconvocada, e conjugando os seus conhecimentos jurídicos com os de literatura indiana, Cândido de Figueiredo preparou o opúsculo A Penalidade na India segundo o Código de Manu. Não seria, porém, um trabalho completamente inédito, visto em 1873 ter publicado um artigo, sob o mesmo título, n’O Instituto de Coimbra. A grande proximidade entre os textos leva-nos a identificar o de 1892 como uma versão revista e atualizada do estudo anterior.

A partir dos finais da década de 1890, deixando esmorecer o entusiasmo pelo estudo do Sânscrito, a que, porém, conseguiu associar o seu nome, Cândido de Figueiredo dedica-se mais ao uso e funcionamento da língua portuguesa em contexto, produzindo dicionários e trabalhos de consultoria linguística. Em 1911, foi inclusive feito membro da comissão de reforma ortográfica, juntamente com Gonçalves Viana, Adolfo Coelho, Carolina Michaëlis (1851-1925), Leite de Vasconcelos, Epifânio da Silva Dias (1841-1916) e Júlio Moreira (1854-1911), entre outros nomes conhecidos.

À semelhança dos seus pares, teve uma atividade periódica intensa. Casado com uma feminista, Cândido de Figueiredo seria simpatizante da causa feminina, colaborando em revistas a que a esposa Mariana Angélica de Andrade (1840-1882) estava ligada, como Voz Feminina. Além de advogado, poeta, prosador, estudioso da língua portuguesa, Cândido de Figueiredo foi também tradutor, sobretudo das línguas francesa e italiana, contando-se, entre o seu repertório, desde obras de filologia à ficção do belga Maeterlinck (1862-1949).

 

Bibliografia selecionada do autor

1873. A India antiga, introdução. O Instituto: jornal scientifico e litterario 17 (1): 43-48.
1873. A India antiga, monumentos litterarios. O Instituto: jornal scientifico e litterario 17 (4): 161-178.
1873. Morte de Yaginadatta. Episodio do poema epico o Ramayana. Versos portuguezes, de Valmiki. Trad. Cândido de Figueiredo. “Litteratura da India”, 1. Coimbra: Imprensa da Universidade. Disponível em https://www.gutenberg.org/files/31696/31696-h/31696-h.htm.
1873. Folhetim. A litteratura da India e o Sr. Vasconcellos Abreu. Jornal do Commercio, 12 e 30 dez., [s.p.].
1873. A penalidade na India. Segundo o código de Manú. O Instituto: jornal scientifico e litterario 17 (5): 216-228.
1892. A Penalidade na India segundo o código de Manu. Memoria apresentada á 10.ª sessão do Congresso Internacional dos Orientalistas. Lisboa: Imprensa Nacional. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k77558s.
1899. Nôvo Diccionário da Língua Portuguêsa, 2 vols. Lisboa: Livraria Tavares Cardoso & Irmão. Disponível em https://archive.org/details/novodiccionriod01figugoog.
[1905]. Notícia Histórica dos Antigos Povos do Oriente. Lisboa: Livraria Clássica Editora.
 
 
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última atualização em junho de 2019