José Daniel Colaço, Barão de Colaço e Macnamara (Tânger, 1831 – Tânger, 1907)
Agente diplomático e cônsul-geral de Portugal em Tânger, José Daniel Colaço cresceu num contexto pluricultural e multilinguístico. Estudou em Cádis e Algeciras por ocasião do exílio familiar em Espanha, em fuga à guerra franco-marroquina, regressando a Marrocos aquando da assinatura do Tratado de Tânger em 1844, altura em que se iniciou nos trabalhos do consulado então a cargo do irmão mais velho, Jorge Raimundo. Em 1845, mudou-se para Lisboa, matriculando-se, no ano seguinte, na Academia Nacional de Belas Artes. Em outubro de 1848, ingressou no estudo superior de Pintura Histórica, que suspendeu no final do primeiro ano ao pedir transferência para a Escola Politécnica. Em 1852 foi readmitido na Academia de Belas Artes, e em 1855, no concurso trienal da aula de Pintura Histórica, foi premiado com a medalha de ouro, que lhe foi oferecida pelo próprio D. Pedro V, pelo seu quadro a óleo Sansão Despedaçando o Leão.
Regressou a Tânger em maio de 1856, formado em Artes e com o curso incompleto da Escola Politécnica de Lisboa. Foi então incumbido de substituir o irmão mais velho, incapacitado por motivo de doença, nas suas funções diplomáticas junto do rei de Portugal, D. Fernando II, em visita pelos portos do sul de Espanha e de Marrocos. O relato desta viagem foi publicado de forma intercalada no Archivo Universal de Lisboa em 1859. Mais tarde, em 1882, acrescentado com a descrição da entrega da Grã-Cruz da Torre e Espada ao sultão Sid Mohammed Ben Abd-Rahman, o relato foi publicado pela tipografia Abrines em forma de livro, o primeiro a ser impresso em língua portuguesa em Tânger. Esta edição foi dedicada à Sociedade de Geografia de Lisboa, de que era sócio correspondente desde a sua admissão a 7 de novembro de 1877. Terá sido através da Sociedade que conheceu António Pereira de Paiva e Pona, com quem manteve contacto epistolar e que, no verão de 1883, acolheu em sua casa, na Serra de S. João, em Tânger.
Nomeado vice-cônsul de Portugal em Tânger logo em 1856, desempenhou interinamente o cargo de cônsul até 1859, sendo nomeado cônsul-geral em 1861 e, em 1869, cônsul-geral de 1.ª classe e encarregado de negócios. Foi ainda promovido a enviado extraordinário e ministro plenipotenciário junto do sultão de Marrocos em 1882, cargos que acumulou com as funções consulares até 1896. Neste ano, foi exonerado por conveniência de serviço dos cargos para que tinha sido nomeado em 1882. Em jeito de compensação pelo afastamento forçado e pelos serviços prestados na defesa dos interesses nacionais em Marrocos, o governo português concedeu-lhe o título de Barão de Colaço e Macnamara.
Dos serviços prestados sobressai a missão bem-sucedida de obter junto do governo de Marrocos licença para a importação de gado. Pelo feito foi condecorado com a comenda da Ordem de Cristo, ao mesmo tempo que o governo português atribuiu ao imperador de Marrocos, Sid Mohammed, a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada, que coube a Colaço entregar pessoalmente em cerimónia pública. Uma segunda visita à corte do sultão em 1877 resultou num novo estreitamento das relações entre Portugal e Marrocos; esta visita do cônsul teve por objetivo felicitar a ascensão ao trono do novo soberano, Muley El-Hassan, e condecorá-lo também com a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada. Em 1880, estando latente um novo conflito franco-marroquino, teve o diplomata a tarefa de renegociar com o governo local o Tratado de Paz e Comércio e de representar os interesses de Portugal no Norte de África.
O seu domínio da língua árabe, alvo do elogio da corte imperial marroquina, é confirmado pela sua inscrição no X Congresso Internacional de Orientalistas, agendado para ter lugar em Lisboa em 1892, apesar de desconvocado de véspera. Marrocos consta da lista de membros inscritos no malogrado congresso e, a ele associados, estão os nomes, entre outros, de José Daniel Colaço e do seu sobrinho Júlio Rey Colaço. Tio e sobrinho terão proposto duas comunicações, em coautoria, para apresentação no evento: Descripção da Batalha de Alcacer-Kebir (nota introdutória seguida de texto árabe e respetiva tradução) e Versão do Prologo do Livro Arabico Intitulado “Fructo dos Imperadores e Recreio dos Engenhosos”. De acordo com J. de Deus Ramos (1996), o primeiro trabalho teria sido publicado sob o patrocínio da Sociedade de Geografia de Lisboa, ainda que não haja registos que o comprove. Von Kemnitz (2012, 59) acrescenta que ambos os títulos foram inscritos na secção de Estudos Árabes e do Islão do referido congresso, ressalvando, no entanto, que não foram dados à estampa e que o seu paradeiro é desconhecido. O primeiro trabalho estaria certamente prometido para impressão na Imprensa Nacional, visto o seu título estar registado na lista de obras para impressão em 1892, embora não se lhe tenha dado continuidade. No Arquivo Histórico Militar, em Lisboa, encontrou-se, no fundo pertencente a Cristóvão Aires, uma cópia manuscrita desse primeiro trabalho, concluída a 12 de novembro de 1901, conquanto incompleta por não conter o texto árabe anunciado (um capítulo de Nozhet-el hādi bi akhbar moulouk el-Karn el-Hadi) nem a sua tradução pelo sobrinho Júlio.
No âmbito da pesquisa realizada no arquivo e biblioteca da Sociedade de Geografia, encontraram-se outros documentos relativos à participação de José Daniel Colaço no congresso orientalista de Lisboa, a saber: o registo do seu nome no livro de "subscritores em Portugal", sob o n.º 66 e com data de 22 de agosto de 1892, acompanhado da indicação de pagamento de uma taxa de inscrição no valor de 25 francos; e alguma correspondência manuscrita. Importa destacar duas cartas endereçadas a Luciano Cordeiro e enviadas a partir de Tânger, que são reveladoras das redes de contacto de Colaço e do seu papel como elo de ligação entre a comissão organizadora do evento e a participação marroquina. A 31 de agosto de 1892, Colaço dá conta do envio de um esboço do seu texto sobre Alcácer-Quibir e acusa a boa receção da carta de congressista, que lhe foi dada em mão pelo conterrâneo José Benoliel, para além de apelar ao desenvolvimento de iniciativas conjuntas entre Portugal e Espanha com relação a Marrocos:
Pelo correio lhe envio um esboço de Alcacer-Kebir, que acabo de fazer muito ao correr da penna, permittindo me observar que hoje mais que nunca Portugal deve lutar a bem do seu prestigio neste Imperio, lembrando-se que o tem em casa pela Historia e ás portas de casa pela Geographia.
Recebi e agradeço a carta de Socio do Congresso que V. Ex.ateve a amabilidade de remetter-me, assim como a informação que a acompanha.
Tive a honra de receber a muito estimada carta de V. Ex.aque me foi entregue pelo Snr. Benoliel, causando-me verdadeiro prazer apreciar a cultura deste meu conterrâneo, e a sua dedicação a Portugal.
[...]
Os hespanhoes prestam actualmente a este paiz [Marrocos] muita maior atenção do que os Portuguezes e por isso as suas empresas caminham com mais confiança e animação. Seria de toda a conveniencia que por occasião dos respectivos Congressos, pudessse combinar-se qualquer expediente de acção análoga ou comum que tenda a desenvolver os interesses dos dois povos peninsulares nesta vizinha parte da Africa, e ninguem melhor para conseguir tam louvavel fim, do que a Sociedade de Geographia de Lisboa que tam relevantes serviços tem ja prestado ao paiz [...].
A 21 de setembro, já depois do cancelamento do Congresso de Lisboa, Colaço remete três novas inscrições para o evento e uma oferta de livros, em Árabe e também em Hebraico. Ainda que o congresso tenha sido cancelado, continuaram-se a aceitar adesões, cujo valor revertia para as publicações, garantindo, portanto, que cada membro subscritor tivesse direito a uma cópia dos trabalhos preparados para a ocasião.
A formação artística de José Daniel Colaço e a obra que deixou confirmam-no ainda como pintor orientalista. É possível que o cônsul e Eugène Delacroix (1798-1863) se tenham conhecido por ocasião das viagens do pintor francês pelo Norte de África. Em 1875 José Daniel terá retomado, de forma mais ativa, a pintura, em que representou quase sempre temas árabes de Marrocos. Um dos seus quadros mais emblemáticos retrata o local, nomeadamente a ponte, onde terá sido travada a batalha de Alcácer Quibir, que no referido manuscrito de uma das comunicações que propôs ao X Congresso dos Orientalistas descreve como um episódio “tam tristemente saudoso para os Portuguezes”. O quadro é datado de 1877 e foi ofertado ao rei D. Luís. Grande parte do seu espólio conserva-se hoje na posse da família, existindo apenas, e poucos, exemplares nos acervos do Palácio da Ajuda, do Palácio da Pena e da Academia das Belas Artes.
Ver Dicionário de Orientalistas de Língua Portuguesa,
https://orientalistasdelinguaportuguesa.wordpress.com/jose-daniel-colaco/
Bibliografia selecionada do autor
1882. Viagem de Sua Magestade El-Rei O Senhor Dom Fernando a Marrocos, seguida da descripção da entrega da Grão Cruz da Torre Espada ao Sultão Sid. Mohammed. Tânger: Imprensa Abrines. Disponível em https://archive.org/details/viagemdesuamages00coll.
1901 [1892]. Ms. Alcacer-Kebir. Descripção arabe da batalha traduzida em collaboração com o interprete Julio Rey Colaço. Arquivo Histórico Militar, Fundo Cristóvão Aires, cx. 344, doc. 26.
1903. Fátah: notas d’uma viagem a Fez. Lisboa: Parceria António Maria Pereira.
1906. Soberanos Marroquinos. Lisboa: Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira.
Iconografia
1846. São Paulo e São Ananias
Desenho a lápis negro, copiado a partir de estampa, 60,4 cm x 49,2 cm.
Coleção de Desenho Antigo da FBAUL, inv. n.º 523.
Disponível no Museu Virtual de Belas Artes da Universidade de Lisboa, http://museuvirtual.belasartes.ulisboa.pt/desenho/detail.php?dl=0&inv=FBAUL%2F523%2FDA.
1847. [D. Maria II e D. Fernando]
Desenho a aguarela e guache, 42,3 cm x 27 cm.
Imagem reproduzida em: A. Aires de Carvalho. 1977. Catálogo da Colecção de Desenhos. Lisboa: Biblioteca Nacional, n.º 63. Disponível em http://purl.pt/25067/2/.
1877. Ponte do Rio Huad-Mâksen – junto da qual se deu a batalha de Alcacer-Kibir segundo uma aguarella do natural pelo sr. José Daniel Collaço, pertencente a El-Rei o Senhor D. Luiz) [desenho]
Imagem reproduzida na capa de O Occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro 15 (1 ago. 1878): 113. Disponível em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1878/N15/N15_item1/index.html.
TECOP
última atualização em agosto de 2019 (por MPP)