Academia das Ciências de Lisboa (1779 – 1973)
Sócio | Data de eleição | Categoria | Parecer de (relator) | Classe | Secção |
Augusto Pereira Soromenho | 24-03-1859 | correspondente | Ciências Morais e Belas Letras | História e Arqueologia | |
António da Silva Túlio | 08-11-1862 | Ciências Morais e Belas Letras | |||
José Gerson da Cunha | 1870 | [correspondente] | Ciências | Ciências Médicas | |
António dos Santos Viegas | 07-05-1877 | correspondente | Ciências | ||
Francisco Manuel de Melo Breyner | 07-05-1877 18-11-1880 |
correspondente efetivo | Barbosa du Bocage | [Ciências] | |
António Cândido Figueiredo | 03-02-1874 03-06-1915 |
correspondente efetivo | Fernandes Costa | Letras | Ciências Morais e Jurisprudência |
Guilheme de Vasconcelos Abreu | 09-02-1887 | correspondente | Letras | ||
Francisco de Assis Clemente | 05-03-1891 | [correspondente] | |||
Aniceto dos Reis Gonçalves Viana | 16-03-1893 11-01-1912 |
correspondente efetivo |
José Leite de Vasconcelos |
Letras | Economia e Finanças |
José Leite Vasconcelos | 10-05-1894 15-11-1910 |
correspondente efetivo | Ramos Coelho | Letras | História e Arqueologia; Filologia |
David de Melo Lopes | 13-12-1906 06-05-1915 |
correspondente efetivo |
Cristóvão Aires, |
Letras |
Literatura; Filologia |
Francisco Maria Esteves Pereira | 30-04-1908 11-04-1918 |
correspondente efetivo | José de Sousa Monteiro, David de Melo Lopes |
Letras |
Literatura |
René Basset | 25-05-1910 | correspondente (estrangeiro) | Cristóvão Aires | Letras | |
Sebastião Rodolfo Dalgado | 27-07-1911 | correspondente | Gonçalves Viana | Letras | Literatura |
Constâncio Roque da Costa | 25-01-1912 | correspondente | Cristóvão Aires | Letras | |
José Maria Rodrigues | 18-04-1912 09-12-1920 14-02-1935 |
correspondente efetivo | Henrique Lopes Mendonça, Francisco Maria Esteves Pereira |
Letras | História e Arqueologia Filologia |
Moses Bensabat Amzalak | 12-07-1923 [entre 1924 e 1929] |
correspondente efetivo | Vicente Almeida de Eça | Letras | Ciências Económicas e Administrativas |
Charles R. Boxer | 27-01-1949 | correspondente (inglês) | Letras | História e Geografia | |
António de Almeida | 04-07-1957 | correspondente | António Augusto Mendes Correia | Ciências | Ciências Médicas |
António da Silva Rego | 18-10-1962 29-11-1979 |
correspondente efetivo | Augusto Botelho da Costa Veiga, Possidónio Mateus Laranjo Coelho, Damião Peres, Moses Amzalak |
Letras | História e Geografia |
Como é visível no levantamento acima sistematizado, quase metade da representação portuguesa nos Congressos Internacionais de Orientalistas (CIO) foi membro da Academia das Ciências de Lisboa, uma das duas instituições científicas em Portugal que, a par da Sociedade de Geografia de Lisboa, atravessou quatro regimes políticos distintos.
Tendo subscrito o I CIO em 1873, a Academia é também a instituição científica mais presente nas afiliações da delegação portuguesa constituída para este evento, o que reflete a sua predominância científica na sociedade portuguesa da época. Contou, nessa delegação (de subscritores), com os sócios Marquês de Ávila e Bolama (António José de Ávila, 1806-1881), à altura vice-presidente da Academia, António da Silva Túlio, em representação da Biblioteca Nacional, José Tavares de Macedo (1801-1890), então ministro da marinha, o arabista Augusto Soromenho, o conselheiro António José Viale (1807-1889), Inácio de Vilhena Barbosa (1811-1890) e José Maria Silva Leal (1812-1883).
Criada por aviso régio a 24 de dezembro de 1779, e modelada no contexto do Iluminismo, conforme as congéneres europeias, a Academia foi nobilitada por D. Maria I a 13 de maio de 1783. Denominava-se então Academia Real das Ciências de Lisboa, designação que manteve até à Implantação da República em 1910. Teve como principais responsáveis pela sua criação o 2.º Duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança de Sousa Ligne Tavares Mascarenhas da Silva (1719-1806), seu primeiro presidente, e o Abade José Francisco Correia da Serra (1750-1823), primeiro secretário-geral. De acordo com o seu Plano de Estatutos de 1780, foi concebida “para adiantamento da Instrução Nacional, perfeição das Ciências e das Artes e aumento da indústria popular”.
Esta instituição começou a funcionar no Palácio das Necessidades, em Lisboa, e mudou seis vezes de localização até se fixar definitivamente no Convento de Nossa Senhora de Jesus, em 1833. Por decretos de 23 e 27 de outubro de 1834, foram cedidos à Academia o espólio da Biblioteca Conventual e do Museu de História Natural, compostos por um substancial acervo de manuscritos e espécimes orientais, que chegaram a ser objeto de análise por orientalistas como René Basset (1894), que viriam mais tarde a ligar-se formalmente à instituição. Atualmente é na Academia que se encontram conservados os espólios de Francisco Maria Esteves Pereira (Coleção Esteves Pereira) e de Sebastião Rodolfo Dalgado (Legado do Monsenhor Sebastião Dalgado).
Em termos da sua organização científica, a Academia compôs-se inicialmente de três classes: Ciências Naturais (Ciências da Observação e dos Fenómenos Naturais), Ciências Exatas (Ciências do Cálculo) e Literatura (Ciências Morais e Belas Letras). Em 1851 estas classes foram reorganizadas na Classe de Ciências e na Classe de Letras, que correspondem à estrutura atual. Se em 1882 cada classe era constituída por 4 secções (Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Histórico-Naturais e Ciências Médicas na Classe de Ciências e Literatura, Ciências Morais e Jurisprudência, Ciências Económicas e Administrativas e História e Arqueologia na Classe de Letras), atualmente cada classe conta com 7 secções: Matemática, Física, Química, Ciências da Terra e do Espaço, Ciências Biológicas, Ciências Médicas e Ciências da Engenharia e outras Ciências Aplicadas na Classe de Ciências; Literatura e Estudos Literários, Filologia e Linguística, Filosofia, Psicologia e Ciências da Educação, História e Geografia, Direito e Ciência Política, Economia e Finanças e Sociologia e outras Ciências Humanas e Sociais na Classe de Letras. Além das categorias de associação mais antigas – sócio correspondente (nacional e estrangeiro), sócio efetivo e sócio emérito (Ribeiro 1882, 75) – a Academia conta hoje também com as categorias de sócio correspondente estrangeiro brasileiro e sócio supranumerário.
Ao longo do tempo a Academia deu provas do seu carácter eclético e da sua missão tanto mecenática como pedagógica ao acolher e apoiar vários estabelecimentos e institutos das demais áreas científicas. Destacam-se o Curso Superior de Letras (1861-1911), o Instituto Maynense (1836-1919), o Museu de História Natural, em administração da Academia entre 1792 e 1858, o Instituto de Altos Estudos, criado em 1931 por Moisés Amzalak e por ele presidido (em funcionamento até à data), e o Museu Maynense, designação do atual museu da Academia. Até 1910, a Academia contava também nas suas instalações com uma tipografia, cedida naquela data à Imprensa Nacional que passou assim a assegurar a maioria das suas publicações.
Antes dos Congressos – até 1873
A associação da Academia ao I CIO decorre da função que esta instituição desempenhava como espaço de socialização, debate e intercâmbio de conhecimento científico para vários intelectuais portugueses interessados em estudos orientais, tanto na Classe de Letras, especialmente no âmbito da História, como na Classe de Ciências, no âmbito da História Natural.
No âmbito da Classe de Letras, sobressai o esforço de recuperação, tratamento e publicação de manuscritos inéditos, quer presentes nas bibliotecas do reino, quer provenientes de territórios ultramarinos, nomeadamente da Índia Portuguesa. Para isso foram iniciadas várias séries antológicas, algumas das quais se prolongariam quase até ao final do século XX. Assinalamos, nesse sentido, a Coleção de Livros Inéditos da História Portuguesa (5 volumes, 1790-1824), que inclui “Documentos arabicos para a historia portugueza copiados dos originaes da Torre do Tombo”, coligidos e traduzidos pelo Frei João de Sousa (1735-1812), e “Observações sobre as principaes causas da decadencia dos portuguezes na Asia”, por Diogo do Couto (c. 1542-1616); a Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas (5 volumes, 1812-1839), cujo I tomo reproduz os ensaios “Breve relação das escrituras dos gentios da India Oriental, e dos seus Costumes” e “Noticia summaria do gentilismo da Asia”, baseados em manuscritos anónimos por missionários jesuítas, provavelmente do início do século XVII, trazidos à Academia pelo sócio correspondente Francisco Luís de Meneses ([?]-1804); e a Coleção de Monumentos Inéditos para a História das Conquistas dos Portugueses em África, Ásia e América. 1.ª série. História da Ásia, no âmbito da qual se publicaram Subsidios para a Historia da India Portugueza (1868) e as Cartas de Affonso de Albuquerque, seguidas de documentos que as elucidam (7 tomos, 1884-1935). Integrada na última série, publicou-se a coleção, em 10 volumes, de Documentos Remetidos da Índia ou Livros das Monções (1880-1982, com documentação relativa a 1605-1620), cujos tomos impressos entre 1974 e 1982 saíram sob a direção do sócio correspondente António da Silva Rego.
Aquando da criação da Academia, privilegiando-se, neste caso, uma abordagem mais focada nos acontecimentos contemporâneos, esta terá, no início da década de 1780, enviado instruções para que os governadores e municípios da então Índia portuguesa fizessem um registo anual de memórias para a elaboração de uma História Moderna de Goa. Não é possível, no entanto, apurar o seu cumprimento (Araújo 1999, 111).
No âmbito da Classe de Ciências foram publicadas em 1781 as Breves Instrucções aos Correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as Remessas dos Productos e Noticias Pertencentes á Historia da Natureza para Formar um Museo Nacional. O cumprimento desse intuito resultou no envio de vários materiais e na elaboração de publicações por sócios correspondentes geograficamente localizados nos domínios orientais, como Manuel Galvão da Silva (1750-[?]), que remeteu da Índia espécies de plantas e fósseis e escreveu Observações sobre a Historia Natural de Goa (1788), obra republicada em 1862 por Cunha Rivara, assim como João Loureiro (1710-1791), padre jesuíta, que, além de remeter várias espécies de plantas, publicou pela Academia Flora Cochinchinensis (Araújo 1999). Loureiro terá, segundo Araújo (1999), escrito também sobre a descrição física e moral de tipos humanos, comparando asiáticos, africanos e europeus nas Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias (1789-1815), em sintonia com as preocupações intelectuais europeias da época.
A afiliação da Academia ao I CIO em 1873 vem, também, no seguimento de uma assumida vontade desta instituição de se relacionar com as suas congéneres europeias. A 1 de dezembro de 1824, a Academia, que já beneficiava de livre franquia para o envio das suas publicações académicas para as colónias desde 1793, passou a poder remeter livremente os seus livros para outros países estrangeiros. Iniciou, assim, permutas de publicações com várias sociedades científicas sobretudo a nível europeu, incluindo a Société Asiatique de Paris, o Instituto de França, a Royal Society de Londres, a Academia Real das Ciências e Belas Letras de Bruxelas e a Sociedade das Artes e das Ciências de Batávia, entre outras. Neste sentido, em 1859, o seu secretário-geral, José Maria Latino Coelho (1825-1891), proferiu o seguinte discurso em sessão pública:
Desde o Instituto de França e da Sociedade Real de Londres até á Sociedade das Artes e das Sciencias de Batavia, desde as nações mais próximas da nossa metropole até ás colonias mais remotas da Oceania, todos os corpos litterarios do mundo, os mais gloriosos e notaveis, assim como os mais modestos e longiquos [sic], se teem congratulado com a Academia Real das Sciencias pela frequência e reciprocidade do nosso commercio litterario, e todos nos offerecem regularmente as suas valiosissimas publicações, archivo immenso do movimento incalculavel, com que a sciencia progride, cada vez mais opulenta, mais trabalhadora e mais insaciável do que nunca. (Ribeiro 1882, 65)
Com a expansão e atualização do seu núcleo bibliográfico, a Academia das Ciências viria a constituir-se, no século XIX, ao lado da Biblioteca da Ajuda, como uma das mais importantes bibliotecas do país e, em particular, para os investigadores interessados em matérias orientais.
Também não deixa de ser significativo que Possidónio Narciso da Silva, o primeiro delegado e orador português nesse I CIO (Paris, 1873), disserte sobre os estudos orientais em Portugal, entendidos numa perspetiva linguística, socorrendo-se, quase em exclusivo, de uma obra magistral publicada pela Academia, então com apenas dois volumes, de um total de dezanove, publicados – Historia dos Estabelecimentos Scientificos, Litterarios e Artisticos de Portugal nos Sucessivos Reinados da Monarchia (1871-1872), do membro correspondente José Silvestre Ribeiro (1807-1891). No texto que integra o volume de atas do congresso, Narciso da Silva transcreve excertos vários da obra relativos às línguas orientais.
Ao tempo dos Congressos (1873-1973)
Apesar de depois de 1873 a Academia não ter voltado a aderir aos CIO como membro institucional, muitos dos seus sócios continuaram a subscrever e participar nestes eventos. São de referir, por ordem da sua integração na Academia – e para além dos atrás já mencionados relativamente ao I CIO –, Gerson da Cunha, Cândido de Figueiredo, que veio a presidir a Academia entre 1921 e 1925, Francisco Manuel de Melo Breyner, 3.º Conde de Ficalho, formado em 1855 pelo Instituto Maynense, presidente e vice-presidente da Academia em 1887 e 1897, respetivamente, António dos Santos Viegas, Guilherme de Vasconcelos Abreu, Francisco de Assis Clemente, Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos, David Lopes, Esteves Pereira, que à data da sua morte, em 1924, era tesoureiro da Academia, Sebastião Dalgado, Constâncio Roque da Costa, José Maria Rodrigues, Moisés Amzalak, António de Almeida e António da Silva Rego.
Era prática da Academia selecionar os membros para a representarem em eventos científicos internacionais, existindo disso registo nas suas atas. Assim, Vasconcelos Abreu terá estado no VIII CIO, que decorreu em Estocolmo e Cristiania em 1889, como afiliado da Academia. A 9 de maio de 1935, a Academia encarregou Amzalak de a representar nas comemorações do III Centenário da Academia Francesa, em Paris, havendo também registo da sua nomeação para a representação da Academia no XXII CIO, em Istambul, em setembro de 1951, embora o seu nome não venha, a constar da lista de membros do evento.
Outras formas de a Academia se projetar a nível internacional incluíam a integração de sócios correspondentes estrangeiros, como René Basset em 1910 e Charles Boxer em 1949, ou a nomeação de sócios para a integração de comissões internacionais, como foi o caso, em 1912, da indicação pela Classe de Letras de Gonçalves Viana para a comissão de apreciação do Manuel international de transcription des sons de la langue mandarine. Este manual foi mandado imprimir pelo sinólogo René Martin-Fortris (1867-1940) na imprensa nacional francesa, na sequência de uma resolução tomada no XII CIO (Roma, 1899) com vista ao estabelecimento de um sistema uniforme de transcrição de sons chineses em caracteres latinos. As provas do manual foram apresentadas ao XVI CIO de 1912, em Atenas, sem que, porém, se conheçam resultados desta iniciativa.
O apoio à publicação dos trabalhos dos seus membros continuou a ser uma das vertentes mais relevantes da atividade deste organismo científico, com destaque para as temáticas da história da presença portuguesa no Oriente e das línguas orientais. Para referir apenas alguns exemplos, em 1898 publicou A Lenda dos Santos Barlaão e Josafate. I – Texto critico de um manuscrito que se lê no Códice do Mosteiro de Alcobaça existente com o n.º 266 na Tôrre do Tombo em Lisboa por Vasconcelos Abreu e, ainda nesse ano, o Texto Critico da Lenda dos Santos Barlaão e Josafate, do mesmo autor em coautoria com Gonçalves Viana. Em 1913 apoiou a publicação de Influência do Vocabulário Português em Línguas Asiáticas, de Sebastião Dalgado, entre 1919 e 1921 fez publicar o seu Glossário Luso-Asiático (2 volumes, 1919-1921), e em 1922, do mesmo autor, publicou Florilégio de Provérbios Concanis. Encarregou-se, também, da edição de História de Arzila durante o Domínio Português (1471-1550 e 1577-1589), de David Lopes, publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 1924. A Academia privilegiava, desta forma, não apenas a divulgação de manuscritos inéditos, mas também a restauração de tradições histórico-literárias. Por sugestão da classe do consócio Esteves Pereira, para mencionar mais um exemplo, criou-se a coleção Monumentos da Literatura Dramática Portuguesa, na Imprensa Nacional, que recuperou, entre 1918 e 1919, textos da tradição dramática nacional.
Através dos seus membros estrangeiros, assinou várias publicações em parceria com outras reputadas instituições europeias, internacionalizando assim o seu nome e atividade. Por meio de Charles Boxer, por exemplo, associou-se em 1979 à publicação, em dois volumes, de A Descriptive List of the State Papers Portugal, 1661-1780, in the Public Record Office London. Prefaciada por Boxer, a obra foi editada pela Academia em colaboração com a British Academy e o Public Record Office, ambas sediadas em Londres.
As várias Memórias da Academia, publicadas a partir de 1799, o Boletim da Segunda Classe (1898-1929) e o Boletim da Academia das Ciências de Lisboa (1929-1977) tiveram um papel de relevo na disseminação dos trabalhos dos seus consócios orientalistas. A partir de meados do século XX, verifica-se nestas publicações a introdução de temáticas mais ligadas à antropologia, sobressaindo, nesse sentido, o contributo de António de Almeida, assim como a continuação dos estudos históricos e recuperação de fontes, com destaque para as contribuições de António da Silva Rego.
Relações interinstitucionais – o Curso Superior de Letras e a Sociedade de Geografia de Lisboa
A 18 de junho de 1859, a Academia foi incumbida de propor um projeto de regulamento para a criação do Curso Superior de Letras, instituído em 1861 com o apoio de D. Pedro V, medida que refletiu a maior preocupação do estado português com o estudo das línguas orientais. Ficou então encarregada da definição de conteúdos programáticos, da forma de organização dos concursos para o recrutamento de docentes e dos modelos de avaliação das funções públicas que o Curso iria permitir exercer. O regulamento aprovado favoreceu a proximidade entre os dois organismos: se, por um lado, o júri do concurso de admissão de docentes tinha de incluir sócios da Academia, por outro, ser sócio efetivo era uma das condições que possibilitava a admissão como docente.
Durante a sua existência até à criação da Faculdade de Letras em 1911, o Curso funcionou sempre em instalações cedidas pela Academia e forneceu-lhe muitos dos seus membros, tanto docentes como alunos, que participavam laboriosamente nas suas atividades, como fica patente pelas atas desta instituição. Neste âmbito, e vindo a desenvolver trabalho na esfera da orientalística, voltam a surgir os nomes de Silva Túlio, Augusto Soromenho, Gonçalves Viana, Vasconcelos Abreu, Sebastião Dalgado, José Maria Rodrigues, David Lopes, Constâncio Roque da Costa e José Leite de Vasconcelos.
A Academia operou, de igual forma, sempre em grande proximidade com a Sociedade de Geografia desde a sua fundação em 1875, partilhando com esta muitos dos seus sócios. Esta proximidade pautou-se por dinâmicas tanto de competição, como no caso do IV Centenário do Descobrimento da América (1892-1893), como de colaboração, no caso das comemorações dos Centenários de Ceuta e de Afonso de Albuquerque (1915).
No primeiro caso, as instituições terão disputado a representação portuguesa, que veio a ser atribuída à Academia. Esta constituiu, para o efeito, uma comissão presidida pelo Conde de Ficalho (João 1999). Este poderá ser o motivo que levou a Sociedade de Geografia a iniciar os preparativos para a celebração do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia (1898) logo em 1892 (Silva 2012). A Academia fez-se representar neste evento com um delegado à mesa da assembleia, sem, no entanto, ter uma influência significativa.
Em 1915 ambas as instituições colaboraram na iniciativa das comemorações dos Centenários de Ceuta e Albuquerque, em preparação desde 1911. Inicialmente as comemorações estariam a ser organizadas por uma grande comissão constituída por mais de 21 instituições (nacionais e não só), nomeada por decreto de 27 de outubro de 1912, e na qual se incluía a Associação dos Arquitetos e Arqueólogos Portugueses. Contudo, a falta de apoio governamental para a concretização da iniciativa resultou numa organização substancialmente mais comedida que o planeado, e repartida entre a Academia e a Sociedade de Geografia.
Assim, organizaram-se duas sessões solenes em 1915: uma para a celebração do V Centenário da Tomada de Ceuta (1415), na Sociedade de Geografia, a 21 de agosto, e uma segunda, a 16 de dezembro, dedicada ao IV Centenário de Afonso de Albuquerque (1515). A Academia ficou encarregada de formar uma comissão académica vocacionada para as publicações comemorativas, dando a publicar, com o apoio da Imprensa da Universidade de Coimbra – muito provavelmente assegurado por meio do Instituto de Coimbra –, mais de uma dezena de títulos, entre os quais se contam: Chronica da Tomada de Ceuta por El-Rei D. João I Composta por Gomes Eanes de Zurara, de Esteves Pereira, em 1915; Anais de Arzila. Crónica inédita do século XVI por Bernardo Rodrigues, sob a direção de David Lopes, com o tomo I (1508 a 1525) publicado em 1915 e os tomo II (1525-1535) e suplemento (1536-1550) publicados em 1919; e Registos Paroquiais da Sé de Tanger: casamentos de 1582 a 1678. Reconciliações de 1611 a 16, por José Maria Rodrigues e Pedro de Azevedo (1869-1928), publicado em 1922. A Sociedade de Geografia inaugurou, em complemento, uma exposição de produtos da indústria nacional.
A Academia tomou parte ativa noutros ciclos comemorativos. Organizou e promoveu uma sessão solene para a celebração do IV Centenário da Morte de Fernão de Magalhães (1921), que contou com a presença do então chefe de Estado, António José de Almeida (1866-1929). Em 1925, Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931) representou a Academia na comissão nacional nomeada para o IV Centenário da Morte de Vasco da Gama. A partir de 1929, a organização dos eventos comemorativos passou a estar mais centralizada no Estado, o que espelhava a mudança política em curso no país.
Em 1940, vários sócios da Academia participaram do Duplo Centenário da Fundação e Restauração de Portugal, no âmbito do qual se realizou o Congresso do Mundo Português e a Exposição do Mundo Português – nomeadamente Júlio Dantas (1876-1962), presidente das comemorações, António Augusto Mendes Correia (1888-1960), Henrique Quirino da Fonseca (1868-1939), Reinaldo dos Santos (1880-1970) e Augusto de Castro Sampaio Corte Real (1883-1971). Mendes Correia fez também parte da organização do Centenário do Nascimento de Mouzinho de Albuquerque em 1955. Em 1960, as comemorações do V Centenário Henriquino foram presididas por José Caeiro da Mata (1883-1963), também sócio da Academia, e incluíram também os sócios Mendes Correia, Augusto Corte-Real, Avelino Teixeira da Mota (1920-1928), Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959), Damião Peres (1889-1976), Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974) e o secretário da Academia, Joaquim Antunes Leitão Jr. (1875-1956). Apesar de contar com a presença de vários dos seus sócios em comissões organizadoras, consubstanciando cerca de 44 % dos comissários de eventos nacionais decorridos até 1960 (João 1999, 233), a Academia veio perdendo protagonismo para outras instituições, de entre as quais a Sociedade de Geografia.
O mesmo poderá ser dito sobre a relação da Academia com o projeto colonial. Se em 1850 a Academia foi convidada pelo governo a elaborar instruções para a exploração científica das províncias ultramarinas por naturalistas (Ribeiro 1876, 138), reflexo do seu protagonismo no contexto intelectual do país e da sua proximidade à coroa, foi a Sociedade de Geografia que, a partir do último quartel do século XIX, veio a assumir-se como preponderante nessa missão de exploração. Ainda assim, a efetiva “ocupação científica” das colónias só teve um maior impulso a partir dos anos 30 do século XX, quando o estado português iniciou a criação e o financiamento direto de instituições constituídas explicitamente para este propósito, como a Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais, criada em 1936.
A Academia, não se constituindo como uma instituição operativa no projeto colonial, mas antes comprometida com a promoção das letras, história, cultura e ciência portuguesas, desempenhou, desde a sua fundação, um papel relevante na produção de discursos sobre o Oriente, especialmente através da sua atuação como mecenas na configuração de um espaço de reunião, intercâmbio e debate de ideias entre orientalistas, no subsídio das suas publicações e no envolvimento em ações celebrativas sobretudo da história de Portugal.
Referências
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SILVA, José. 2012. Portugal no IV Centenário do Descobrimento da América (1892-1893). Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Disponível em http://hdl.handle.net/10451/9967.
última atualização em agosto de 2018