David de Melo Lopes (Moita Fundeira, 1867 – Lisboa, 1942)
Arabista, filólogo e historiador, David de Melo Lopes é considerado o primeiro arabista português (no sentido académico do termo) e o herdeiro de Alexandre Herculano, seguindo-lhe as pisadas no estudo da presença árabe-islâmica na Península Ibérica.
Depois de concluir os estudos secundários no Liceu de Lisboa em 1888, instalou-se em Paris onde, entre 1889 e 1892, frequentou tanto a École des langues orientales vivantes como a École pratique des hautes études. De regresso a Lisboa, associou-se ao X Congresso Internacional de Orientalistas, previsto para ter lugar na capital portuguesa, em 1892, onde, porém, não chegou a realizar-se. Ainda assim deixou escritos dois textos, Extractos da Historia da Conquista do Yaman pelos Othmanos. Contribuições para a historia do estabelecimento dos Portugueses na India, que consiste na tradução parcial de um manuscrito pertencente a Francisco Maria Esteves Pereira, e A Peça de Diu, este último em coautoria com Esteves Pereira. Ambas as contribuições foram publicadas sob a chancela da Sociedade de Geografia de Lisboa, da qual se tornou sócio ordinário nesse ano de 1892. Em 1893 foi nomeado secretário da Comissão Asiática desta Sociedade; em 1924, foi inscrito no seu quadro de honra.
Em Lisboa, concluiu em 1895 o Curso Superior de Letras, a funcionar então nas instalações da Academia das Ciências, contactando durante esse período com os professores Guilherme de Vasconcelos Abreu e Francisco Adolfo Coelho. Após alguns anos a lecionar Francês no Liceu de Lisboa, onde estava desde 1896, foi em 1901 nomeado para o corpo docente do Curso Superior de Letras, juntamente com José Maria Rodrigues, vindo também a desempenhar os cargos de secretário, em que se manteve até 1906, e bibliotecário do Curso.
Começou por lecionar Língua e Literatura Francesas. Em 1911, na já então Faculdade de Letras, foi criada a cadeira de Árabe por decreto do governo provisório da República Portuguesa. Após um interregno de 42 anos no ensino do Árabe em Portugal (1869-1914), esta cadeira foi atribuída a David Lopes, que por ela foi responsável entre 1914 e 1937. No entanto, só em 1929-1930 é que deixou a regência da cadeira de Língua e Literatura Francesas para José Leite de Vasconcelos, com quem mantinha uma relação de proximidade. Durante este período estreitou relações com Robert Ricard (1900-1984), professor na Universidade de Argel e no Instituto de Estudos Superiores Marroquinos de Rabat, que veio para Lisboa como leitor de Francês entre 1921 e 1923 e com quem David Lopes viria a colaborar na publicação de Les Sources inédites de l’histoire du Maroc.
Mostrou-se sempre muito ativo na sua atividade de investigação. Viajou frequentemente para França, não apenas para consolidar os seus estudos mas também para os disseminar. Participou no XI Congresso Internacional de Orientalistas (Paris, 1897) com o texto “Note historique sur l’Inde”, em que publicita o seu mais recente trabalho de então, a edição da Chronica dos Reis de Bisnaga. O texto foi publicado na primeira secção das atas do congresso, muito embora o seu nome não figure na lista de membros do evento. Dela consta, pelo contrário, o nome do amigo Esteves Pereira, que participou como ouvinte.
Em termos de afiliações institucionais, David Lopes foi membro da Academia das Ciências de Lisboa, que integrou como sócio correspondente a 13 de dezembro de 1906, com parecer favorável de Cristóvão Aires (1853-1930). Passou a sócio efetivo a 3 de junho de 1915, na classe de Letras, secção de Literatura, como sucessor de Gonçalves Viana. Em 1918 tornou-se vice-secretário da classe, sendo reeleito em 1920, 1921 e 1923. Fez, também, parte da secção de Estudos Filológicos, criada em 1923, sob proposta de Leite de Vasconcelos. Em 1915 e em 1919 participou nas iniciativas da Academia para a comemoração do V Centenário da Tomada de Ceuta. Retirou-se desta instituição pouco antes de falecer, sendo que, pelo menos a partir de 1935, não se regista qualquer participação de David Lopes nas suas atividades.
O arabista mantinha correspondência com orientalistas localizados em vários países europeus, nomeadamente França, Espanha, Itália, Reino Unido, Holanda e Alemanha. Esta correspondência foi mais ativa no final do século XIX e início do século XX. A partir desta altura, David Lopes concentrou os seus intercâmbios nos orientalistas franceses estacionados em Marrocos, à altura colónia francesa, onde esteve pelo menos em 1923, 1924 e 1927.
Correspondeu-se com Lucien Bouvat (1872-1942), membro da Société Asiatique de Paris e seu bibliotecário. Contou, por sua vez, com a ajuda de Hartwig Derenbourg (1844-1908), filho de Joseph Derenbourg (1811-1895) e professor na École nationale des langues orientales vivantes de Paris, na revisão de traduções, como as que figuram nos seus trabalhos Extractos da Conquista do Yaman pelos Othmanos (1892) e A Peça de Diu (1892). Há também registo de correspondência com o historiador Louis Massignon (1883-1962), com Georges S. Colin (1893-1977), professor de Árabe na École nationale des langues orientales vivantes e diretor de Estudos de Dialetologia Norte-africana no Institut des hautes-études marocaines, e, também, com Clément Imbault Huart (1854-1926), presidente da Société d’assistance morale aux blessés militaires musulmans, de que foi membro correspondente.
Dos orientalistas franceses radicados na Argélia correspondeu-se principalmente com René Basset, diretor da Escola Superior de Letras de Argel, pelo menos entre 1898 e 1913. Nesta correspondência, Basset descreve David Lopes como um coadjuvante de Esteves Pereira e de Vasconcelos Abreu na revitalização dos estudos orientais em Portugal, conforme carta de 9 de dezembro de 1898 (Machado 1973, 481). Através de René Basset, David Lopes passou também a corresponder-se com Alfred Bel (1873-1945), diretor da madraça de Tremecém (Argélia), com vista à edição de um manuscrito árabe intitulado Al-Hulal al-mawchiyya, não havendo, porém, registo de tal exercício filológico ter chegado a acontecer.
Foi a convite de René Basset que David Lopes enviou a comunicação “Trois faits de phonétique historique arabico-hispanique” para o XIV Congresso Internacional de Orientalistas (1905), em Argel, a cujo comité organizador Basset presidiu. Apesar de o nome de David Lopes constar da lista de membros do congresso, a sua comunicação foi, na verdade, lida por Adolphe de Calassanti-Motylinski, secretário correspondente do congresso, o que indica que poderá não ter estado presente, porventura em virtude das suas responsabilidades académicas. A este congresso estiveram também associados Esteves Pereira e Joaquim Mendes dos Remédios.
Dos orientalistas franceses estabelecidos em Marrocos, correspondeu-se principalmente com o Conde Henry de Castries (1850-1942), que em 1902 fundou a Section historique du Maroc, em Paris, e que o convidou para colaborar na obra Les Sources inédites de l’histoire du Maroc.
A relação de David Lopes com orientalistas espanhóis reporta-se, pelo menos, ao ano de 1900, quando publica Alexandre Herculano, António Caetano Pereira e a Batalha de Ourique: estudo critico. Nesta publicação, presta tributo a Pascual de Gayangos (1809-1897), que fora o mestre de língua árabe de Augusto Soromenho, em Madrid, assim como ao holandês Reinhart Dozy (1820-1883). Correspondeu-se com Julián Ribera y Tarragó (1858-1934), arabista da Universidade de Saragoça, pelo menos entre 1893 e 1932. Ribera y Tarragó viria a assinar no Boletin de la Real Academia de la Historia, instituição da qual David Lopes também se tornaria membro em 1927, uma recensão crítica precisamente sobre as publicações Anais de Arzila: crónica inédita do século XVI e História de Arzila durante o domínio português, publicadas entre 1915 e 1925. O arabista português correspondeu-se, também, com Miguel Asín Palácios (1871-1944). Discípulo de Ribera y Tarragó, foi Asín Palácios, eleito diretor da Real Academia Española em 1943, quem o recomendou para membro da Academia Árabe de Damasco.
No âmbito das suas relações com orientalistas italianos, David Lopes correspondeu-se sobretudo com Carlo Alfonso Nallino (1872-1938), professor no Instituto Oriental de Nápoles, pelo menos entre 1899 e 1904. Teriam em comum o conhecimento de Carlo Conti Rossini (1872-1949), que era também partilhado entre David Lopes e o arabista Celestino Schiaparelli (1841-1919). Este último escreveu-lhe a 2 de fevereiro de 1899, dizendo-lhe: “[S]pero di verdele a Roma nel congresso” (Machado 1973, 367). Referia-se ao XII Congresso Internacional de Orientalistas (Roma, 1899), onde Gerson da Cunha marcou presença e em cujas atas o nome de David Lopes consta tão-só da lista de membros como o único representante por Portugal.
De entre os orientalistas britânicos, além do historiador Edgar Prestage (1869-1951), está documentada a correspondência trocada com Donald W. Ferguson (1853-1910), investigador da história do Ceilão, e Robert Sewell (1845-1925), funcionário público da Madras Presidency, uma subdivisão administrativa da Índia britânica, o qual traduziu para Inglês a sua Chronica dos Reis de Bisnaga sob o título A Forgotten Empire (Vijayanagar). A Contribution to the History of India.
Constando somente da lista de membros do XIII Congresso Internacional de Orientalistas (Hamburgo, 1902), em que Portugal se fez representar pelo delegado Visconde de Meireles, David Lopes correspondeu-se com outros orientalistas europeus que também se associaram a este evento, nomeadamente Michaël Jan de Goeje (1836-1909), arabista holandês, e Christian Friedrich Seybold (1859-1921), arabista alemão. Curiosamente, Seybold foi, a partir de 1886, o mestre de línguas orientais de D. Pedro II, acompanhando inclusive o Imperador do Brasil no seu exílio em França.
Em homenagem a David Lopes, foi criado o Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos David Lopes, que ainda hoje funciona, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Bibliografia selecionada do autor
1892. Extractos da Historia da Conquista do Yaman pelos Othomanos. Contribuições para a história do estabelecimento dos portugueses na India. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa.
1892. [coautoria com Francisco Maria Esteves Pereira] A Peça de Diu. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa.
1897. Chronica dos Reis de Bisnaga. Manuscripto inedito do seculo XVI. Contribuições da Sociedade de Geografia de Lisboa para o IV Centenário do Descobrimento da Índia. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa. Disponível em https://archive.org/details/chronicadosreisd00nune.
1897. Textos em Aljamía Portuguesa. Documentos para a historia do dominio português em Safim, extrahidos dos originaes da Torre do Tombo. Contribuições da Sociedade de Geografia de Lisboa para o IV Centenário do Descobrimento da Índia. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa. Disponível em https://archive.org/details/textosemaljamap00lopegoog.
1898. Historia dos portugueses no Malabar: manuscripto arabe do seculo XV por Zinadím [tradução e publicação]. Contribuições da Sociedade de Geografia de Lisboa para o IV Centenário do Descobrimento da Índia. Lisboa: Imprensa Nacional/Sociedade de Geografia de Lisboa.
1899. Note historique sur l’Inde. In Actes du XI Congrès international des orientalistes, Paris – 1897. Paris: Imprimerie Nationale, 69-73. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6580415f.
1907. Trois faits de phonétique historique arabico-hispanique. In Actes du XIV Congrès international des orientalistes, Alger – 1905, vol. III. Paris: Ernest Léroux, 242-261.
1924-1925. História de Arzila durante o Domínio Português (1471-1550, 1577-1589). Coimbra: Imprensa da Universidade/Academia das Ciências de Lisboa.
1936. A Expansão da Língua Portuguesa no Oriente durante os Séculos XVI, XVII e XVIII. Barcelos: Portucalense.
CS e MPP
última atualização em dezembro de 2020